- Vislumbre -


Só deseja um amor saudável, quem já viveu uma paixão dilacerante. 
Porque a paixão corroía tudo por dentro até tirar o fôlego, mas até a dor parecia bonita: 
aquele único instante de felicidade com o Outro compensava os trezentos outros de infelicidade. 
Só deseja ter um dia tranquilo, sossegado, quem tem a intensidade à flor da pele, 
quem acorda suspirando a vida, devorando o dia, 
se lambuzando de tudo sem conseguir tocar nas coisas com a ponta dos dedos. 
Só deseja constantemente a companhia das palavras quem escreve. 
Para estas, o silêncio nunca é mudo, é sempre uma possibilidade. 
Só consegue vislumbrar a paz quem se investiga, quem tem Consciência 
do que deseja e pode ou não obter, quem aprendeu a lidar com o imediatismo.
A escrita ensina a esperar, a escutar a letra da música e depois a melodia, juntas e separadas. 
A escutar a história do Outro sem fazer intervenções antes da conclusão. 
A compreender que os espertinhos são aqueles que sempre vão terminar 
levando uma rasteira da própria ingenuidade, porque perderam a inocência. 
Só consegue acordar para a vida, quem viveu solitário e insone 
dentro de uma noite interminável e caminhou sonolento pelo resto do dia, quem perdeu o sol. 
Só consegue apreciar a nudez, quem não é vulgar. 
Quem percebe com naturalidade que um corpo é como uma árvore, 
que o seu ambiente é extensão do meio ambiente e que, 
juntos, ambos são um ambiente inteiro. 
Só julga acidamente os Outros o tempo todo quem é recalcado. 
Quem se aprisionou na ideia do que é ridículo 
e não consegue suportar um ser autêntico. 
Só consegue ser irônico, quem é inteligente. 
Só consegue ser doce, quem já foi ferido e curado pela espiritualidade.
Só consegue o que quer os que têm desejos justos. E acreditam.

- Marla de Queiroz -

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